segunda-feira, 22 de março de 2010

A Fênix Africana











Hoje vou deixar um pouco o assunto RTW de lado para falar da África...
Acabei escrevendo o texto abaixo num desses finais de semana passados na Ponta D'Ouro (praia selvagem de mar azul turquesa) :)

Abraços,
Mike



A Fênix Africana

Por aqui passaram os fazendeiros e pescadores Bantus, os viajantes de Goa e os ávidos comerciantes árabes... Vasco da Gama também aportou nessas terras, e com ele trouxe os Portugueses, que brigaram com os ingleses que estes lados queriam dominar.

Esses mesmos portugueses construíram um sonho colonial, planejaram a pérola do Índico: uma cidade planejada, com o centro comercial na cidade baixa, a zona residencial na parte alta, um lado voltado para a grande baía de um rio e outro para o Oceano, onde ambos misturam-se.

Seria um déjà vu? As similaridades não acabam por aqui... nessa “Lisboa do Sul” da década de 60 foram abertas largas boulevards adornadas com acácias, foram construídos vários arranha céus modernos, teatros e cinemas. A cidade borbulhava... as famílias portuguesas passeavam com carrinhos de bebê por um belo calçadão a beira-mar, pela baixa circulavam os a bondes amarelos, as mesas dos cafés lotavam as calçadas onde soprava a brisa salgada dos finais de tarde. Essa cidade foi batizada como “Lourenço Marques”, nome de um comerciante e explorador português.

Mas a cidade das acácias (nem os portugueses) não sabiam que o “sonho lusitano” estava por acabar. E já era hora... os moçambicanos ficaram à margem do desenvolvimento do país, pois até as escolas eram limitadas somente aos portugueses. A frente de libertação moçambicana aproveitou a Revolução dos Cravos e a queda de Salazar na metrópole, para proclamar a independência da República de Moçambique em 1975.

Do dia para a noite, Moçambique foi tomada por uma época sombria. O novo governo ordenou a saída de todos os lusitanos. Tratava-se do regime 24: os portugueses tinham 24 horas para abandonar o país levando somente 24 quilos cada um. Revoltados, os portugueses afundaram navios, jogaram cimento nos encanamentos dos prédios, saíram e apagaram a luz, literalmente!

O caos instalou-se na antiga Lourenço Marques, doravante chamada Maputo (nome da baía onde a cidade está localizada). Já não havia mais mão de obra especializada nem modos para manter a infraestrutura funcionando.

Nessa altura, sem controle nenhum o governo moçambicano apelou para os laços com a antiga URSS e Alemanha Oriental, tudo foi nacionalizado e cooperativas foram criadas, mas o tempo provou que o regime socialista não estava funcionando, e em 1983 o país estava falido.

Há muita história para contar, mas concomitantemente a desordem socialista, nasceu um movimento de resistência nacional, que manteve uma guerra civil contra o partido da frente de libertação. O objetivo da resistência era a paralização do país: estradas, pontes, ferrovias, escolas, hospitais foram destruídos. Eletricidade era inconstante, e só para os políticos, a água encanada era um luxo quase inalcançável, pilhas e lixo acumulavam-se pelo que restava das antigas boulevards. Atrocidades foram cometidas em escala inimaginável, minas foram instaladas, adolescentes carregavam armamento pesado pela orla. A fome e o desespero tomaram conta de Maputo, e transformaram a antiga cidade das acácias num lixo a céu aberto, lotada de marginais, fogo cruzado e bandidagem descontrolada. Maputo era uma cidade escura, destruída, enferrujada e sangrenta. Uma cidade de prédios e vidas destruídas. Maputo era o inferno e a capital do país mais pobre do mundo.

Mas a esperança nunca morre, havia uma luz no fim do túnel. Em 1992 foi assinado um acordo de cessar-fogo, em 1994 Moçambique elegeu elegeu democraticamente seu presidente, e desde lá o partido da libertação continua no poder. Apesar das adversidades e da corrupção, Moçambique viu nos últimos dez anos o controle da inflação, o renascimento do investimento em educação, a luta contra a altíssima taxa de HIV e a reconquista da confiança dos estrangeiros, necessária para atrair investimentos e diminuir a pobreza que ainda coloca o país na lista dos mais miseráveis do mundo.

Hoje, Maputo já reflete o futuro de um país que quer crescer e melhorar. Maputo voa como uma fênix. Renascida das cinzas, a cidade mostra um ritmo vibrante, de atmosfera alegre e confiante. Há mais de uma década são os moçambicanos que passeiam pelo calçadão com carrinhos de bebês e os estrangeiros são apenas uma minoria necessária. As acácias florescem nas movimentadas boulevards onde edifícios são reformados, e da noite para o dia são erguidos hotéis e condomínios de luxo. Dos restaurantes emana o cheiro do melhor camarão do mundo, e da frente dos inúmeros salões ouve-se o saxofone do legítimo e alegre jazz africano.

Contei toda esta história porque já estou enjoado de ver fotos de crianças africanas subnutridas, com moscas na boca... Essa cena é muito triste, e infelizmente eu não consigo mudá-la sozinho. Embora as piores imagens da África sejam reais, não acho justo rotular um continente inteiro e vários povos com apenas um ponto de vista.

Não quero esconder o "feio", nem de me iludir, mas eu prefiro o lado positivo sempre! Eu prefiro ver a África refletida no brilho dos olhos de uma criança. Uma criança que ainda é pequena e fraca, mas tem no coração a vontade e a garra para crescer.

Prefiro ver a África que estufa o peito e encara as adversidades, a África colorida e feliz, África da força, da vida e dos sorrisos sinceros... a África que, assim como Maputo, renasce como uma fênix.